O dia em que dei a volta no Inter 2

Era uma segunda-feira. Roberto odiava segundas-feiras. Toda semana, após suas cansativas e entediantes aulas de Introdução à Ciência da Informação, almoçava no RU do Centro Politécnico da UFPR e ia para casa. Inevitavelmente, tinha que pegar o ônibus mais famoso de Curitiba: o Inter 2. Esta linha circula praticamente por toda a cidade, levando milhares de pessoas para todo canto, todos os dias.

Roberto costumava pegar o busão ao meio-dia. Seu trajeto de volta se iniciava na estação-tubo Jardim das Américas e terminava no Terminal Capão Raso – uma hora de empurrões, esbarrões, calor humano e total desconforto. Apesar de tudo isso, ainda era a rota de ônibus mais rápida para chegar em casa. 

Assim, após pagar sua passagem com o cartão-transporte, dirigiu-se ao interior da estação. Como estava com seu headphone, nem notou o cobrador Marcos cumprimentando-o com um caloroso bom dia. Logo após adentrar ao local, imediatamente reconheceu o motivo de sua longa viagem não ser tão horrível assim: a crush do outro curso, que pegava o Inter 2 no mesmo horário que ele toda semana. 

Eis o que Roberto sabia sobre ela: (1) Pegava o busão no mesmo horário que ele. (2) Provavelmente fazia enfermagem, tendo em vista a mochila com o nome do curso que ela usava. (3) Aparentemente, não sabia que Roberto existia. Por isso, ele a observou de longe – amor platônico total. Como uma máquina de raio-x de aeroporto, Roberto fitou a moça de cima a baixo: cabelos castanhos soltos, sardas no rosto, óculos de grau e um moletom bordô da UFPR. Nas mãos, o livro Guia do Mochileiro das Galáxias

Após perceber que estava com o olhar fixo na moça durante intermináveis segundos, quase um psicopata, desviou o olhar para seu relógio: meio-dia em ponto, coincidindo com a chegada do ônibus. Como bons brasileiros, os passageiros (incluindo Roberto) não aguardaram o desembarque e avançaram para o veículo como um rebanho descontrolado.

[1ª Viagem]

Após a breve correria para pegar os melhores assentos, todos se acomodaram onde puderam. Por ser o último a entrar, Roberto acabou ficando em pé próximo à porta traseira do ônibus. Com sua mochila nas costas e a música em um volume alto, o jovem estudante mantinha o olhar fixo para a paisagem da cidade que o acolheu: ruas, casas, árvores, comércios e transeuntes faziam da janela do veículo uma espécie de TV da vida real. Em breves instantes, Roberto desviava seu olhar para observar a moça de Enfermagem, que geralmente ficava em pé na parte frontal do ônibus. 

Depois de alguns minutos, uma pessoa que estava sentada próxima a ele se levantou para descer na próxima parada. Sem titubear, Roberto se sentou confortavelmente no assento da janela.  

Na parada seguinte, Roberto percebeu a entrada de um grupo de pessoas. Curioso, esticou o pescoço para enxergar melhor e imediatamente entendeu do que se tratava: um grupo de músicos! Um estava com um violino, outro com um trompete e o terceiro com um tamborim. Indiferente e um pouco incomodado, ignorou a “horda” festejante de pessoas e recostou a cabeça na janela, aumentando o volume da música ao máximo, retornando novamente ao seu mundo interior.

Às vezes Roberto ficava tão imerso em seus pensamentos que nem chegava a perceber o mundo à sua volta. Por exemplo, um senhor que estava sentado ao seu lado até tentou iniciar uma conversa, mas ao perceber a cara gélida e desinteressada de seu companheiro de assento, preferiu não insistir. Após algumas paradas, ele se retirou e deixou o lugar vago.          

Finalmente, após algum tempo, Roberto chegou em seu destino: o Terminal de ônibus Capão Raso, localizado na região sul de Curitiba.

— “Próxima parada… Terminal… Capão Raso. Desembarque por todas as portas” — Anunciou uma voz robótica nas caixas de som do transporte. 

Após isso, Roberto levantou e se dirigiu à saída enquanto, ao mesmo tempo, tentou observar seu crush desembarcando, mas sem sucesso. Despreocupadamente, deu um passo para fora do ônibus. Ao dar o segundo, algo estranho aconteceu: como alguém acordando de um sonho, ele se viu olhando para o relógio: meio-dia em ponto. O Inter 2 chegou. Está na hora de pegar o busão.

[2ª viagem]

Não era incomum Roberto “sonhar acordado”. Afinal, ele se sentia muito confortável em seus pensamentos, pois não era necessário lidar com a complexidade dos sentimentos dos outros. Mas dessa vez foi diferente. Foi algo tão vívido que era difícil distinguir o sonho da realidade. Com uma estranha sensação de que algo estava errado, decidiu deixar para lá e seguir viagem. 

Conforme o busão seguia seu trajeto, Roberto observava os mesmos acontecimentos de seu sonho: os músicos, a senhora, a garota de Enfermagem, todos agiam da mesma forma, causando uma sensação de déjà vu nunca antes sentida por ele.

Finalmente, após algum tempo, Roberto chegou em seu destino: o Terminal de ônibus Capão Raso, localizado na região sul de Curitiba.

— “Próxima parada… Terminal… Capão Raso. Desembarque por todas as portas” — Anuncia uma voz robótica nas caixas de som do transporte. Após isso, Roberto levantou e se encaminhou para a saída. Ao mesmo tempo, tentou observar seu crush desembarcando, sem sucesso. Despreocupadamente, deu um passo para fora do ônibus. Ao dar o segundo, algo estranho aconteceu: como alguém acordando de um sonho, ele se viu olhando para o relógio: meio-dia em ponto. O Inter 2 chegou. Está na hora de pegar o busão. De novo.

[3ª Viagem]

Meio-dia em ponto. Chegou o Inter 2. Sem entender o que estava acontecendo, Roberto decidiu sair da Estação-tubo o mais rápido possível. Apressadamente, dirigiu-se à catraca e deu um passo para fora da parada de ônibus. Ao dar o segundo, viu-se novamente dentro do tubo, olhando para o relógio: meio-dia em ponto. Chegou o Inter 2.

— Moço, você não vai entrar? — Perguntou uma mulher que também estava aguardando o ônibus.

— O-o que? — Respondeu Roberto, atônito com o que estava ocorrendo.

— O ônibus, você não vai entrar?

— Não, pode passar, moça — Disse em um tom incrédulo. Assim, todos embarcaram, exceto Roberto — Mas o que está acontecendo? — Perguntou a si mesmo. Após a saída do ônibus, a estação ficou praticamente vazia, sobrando apenas Roberto e Marcos, o cobrador. 

— Tá tudo bem amigo? — Perguntou Marcos.

— Tá tudo bem…

— Quer uma água? Ela está meio quente, mas pode ajudar…

— Não, valeu — Será que estou ficando louco? — Pensou.

Após isso, conferiu o relógio de pulso novamente e confirmou que ainda era meio-dia. Como das outras vezes, todos os passageiros estavam no tubo. O Inter 2 chegou novamente.

— Já sei! Isso deve ser algum tipo de pegadinha. Ei, pessoal! Já entendi, vocês me pegaram, hahahaha! Agora já podem parar! — Gritou. Ninguém entendeu bulhufas do que o rapaz estava falando, ficando um silêncio constrangedor no local. 

— Eh… Piá, tu não vai pegar o ônibus? — Perguntou Marcos.

— Acho que sim… – Respondeu Roberto, com desânimo.

Durante a viagem, Roberto tentava entender o que estava acontecendo.  Seria um tipo de “Dia da Marmota”, aquele filme que o protagonista fica preso no tempo e repetindo o mesmo dia vez após vez? Uma pegadinha? Algum tipo de castigo divino? Independentemente do que fosse, não sabia o que fazer para sair desta situação.

Após vivenciar novamente todos os mesmos acontecimentos em seu trajeto para casa, Roberto decidiu não sair mais do ônibus — Quem sabe isso poderia resolver o problema? — Pensou. Desta forma, optou por fazer o trajeto completo do Inter 2: Sair da estação-tubo Jardim das Américas, passando pelo Hauer, Xaxim, Capão Raso, Portão, Campina do Siqueira, Mercês, Centro Cívico, Cabral, Tarumã, Capão da Imbuia e, novamente, Jardim das Américas, completando uma volta por toda Curitiba. Com certa esperança, desceu nesta última estação, com a esperança deste pesadelo ter acabado. Após desembarcar, para garantir que o tempo realmente passou, decidiu conferir seu relógio: meio-dia em ponto.

— Ahhhh!!!!! EU NÃO AGUENTO MAIS ISSO! — Gritou angustiado, enquanto chorava. Como alguém preso dentro de um filme de terror sem fim, sentou-se no chão e apoiou a cabeça sobre os joelhos. Preocupado, o cobrador Marcos se aproximou do rapaz e tentou confortá-lo de alguma forma. 

— Tá tudo bem, jovem? — Perguntou, enquanto apoiava a mão sobre o ombro de Roberto. De alguma forma, aquela pequena demonstração de compaixão acalmou o estudante.

— Desculpa te incomodar, Marcos. Eu só não estou tendo um bom dia hoje. — Enquanto se recompunha, Roberto levantou-se, agradeceu a preocupação e caminhou até a saída da estação-tubo. Como sabia que o ciclo se repetiria ao dar o primeiro passo para fora, decidiu simplesmente ficar parado no local, como uma estátua viva. Porém, conforme as horas passavam e o horário de pico se aproximava, a estação passou a ficar cada vez mais cheia. Obviamente, o jovem plantado na saída passou a incomodar os outros passageiros. Percebendo o problema, Marcos se aproximou de Roberto e cuidadosamente o encaminhou para fora do tubo.

— Vamos tomar um ar, garoto. 

Mesmo sabendo o que iria acontecer a seguir, Roberto concordou com Marcos e caminhou para fora do local. Desta forma, deu o primeiro passo, o segundo passo e, como das outras vezes, se depara olhando para seu relógio: meio-dia em ponto. Porém, ao contrário das outras vezes, algo diferente aconteceu: ele deu um passo a mais. 

O que mudou? — Pensou. 

[4ª viagem]

Até então, o ciclo se repetia: Roberto dava um passo para fora da estação-tubo, ou do ônibus, e ele misteriosamente se via encarando o relógio de pulso com os ponteiros indicando meio-dia em ponto. No entanto, aquele simples passo a mais indicava uma pista de como ele poderia sair desta situação.

Pensa, Roberto. Pensa… O que fiz de diferente? — Refletiu consigo mesmo. — Foi gritar no tubo? Sentar e chorar? Ficar parado por horas? Não consigo entender… Bom, só há uma forma de saber. — Assim, Roberto testou todas estas hipóteses, porém, sem resultado: ele voltou a dar apenas um passo para fora da estação.

Neste momento, Roberto não estava mais angustiado. Pelo contrário, passou a aceitar o fato de que talvez poderia ficar preso neste ciclo para sempre. Desta forma, procurou formas de passar o tempo e não perder o que restava de sua sanidade: jogou todos games possíveis em seu celular, desenhou no caderno da faculdade, estudou para a prova do dia seguinte, assistiu vídeos no YouTube, filmes na Netflix – até pensou em escrever poesia, mas isso foi apenas uma leve vontade passageira. Cansado destas atividades, surgiu uma ideia que parecia impossível para o Roberto de algum tempo atrás: conversar com estranhos. 

O curitibano, em geral, é conhecido por não ser uma pessoa sociável. No caso de Roberto, isso era ainda mais evidente. Ele sempre se sentiu mais confortável sozinho e quietinho em seu canto. Além disso, uma das coisas que mais o irritava era alguém estranho puxando papo com ele. Por isso, a vontade de ser um desses free talkers causou certo espanto para ele. Porém, já que ele estava em uma situação inusitada… — Por que, não? — Pensou. 

Como um predador escolhendo um alvo, observou as pessoas ao seu redor para puxar algum assunto. Neste momento, acabou cruzando o olhar com a moça de Enfermagem. — Acho que precisaria de mais uns mil anos reunindo coragem para falar com ela. — Refletiu, enquanto desviava o olhar com vergonha. Ao fazer isso, viu a figura calma e serena do cobrador Marcos preenchendo um caderno de palavras cruzadas. Mesmo com certo receio de ser um incômodo, o jovem se aproximou.

— Tá muito difícil? — Perguntou Roberto.

— Pois é, dizem que preencher palavras cruzadas é bom pro cérebro, mas acho que meu cérebro já está fritando. 

— Quem sabe eu posso te ajudar… Quais dicas faltam pra completar?

— Bom… Tem a 12, 9 letras: “Capital de Benin”.

— Putz, essa eu não faço a menor ideia… Manda outra aí.

— Hum, deixa ver aqui… Ah! Tem essa 18, 4 letras: “Quarta música do álbum ‘The Dark Side of the Moon’, do Pink Floyd”. E eu lá vou saber desses artistas estrangeiros?  — Resmunga. — Minha parada é uns sertanejos das antigas…

— 4 letras, é?… — Diz Roberto, enquanto tentava lembrar da resposta. Afinal, ele sempre curtiu Rock. — Hum… acho que é Time. Veja se dá certo aí.

— T-I-M-E… Time… Deu certo, piá! — Como alguém que encontrou a peça de quebra-cabeça que faltava, Marcos preencheu a palavra que dava título a uma das maiores músicas da banda inglesa. — Essa palavra em inglês significa tempo, né? 

— Isso mesmo. Se não me engano, essa música fala sobre a passagem do tempo. Tipo, como vemos o tempo passar rápido e vamos ficando cada vez mais velhos. — Enquanto falava, Roberto não podia deixar de relacionar a letra desta música consigo mesmo. 

— Mas o pior é que o tempo passa muito rápido, mesmo. Quando penso em como meus filhos cresceram rápido, bate até um arrependimento de não ter passado mais tempo com eles. — Diz Marcos, em um leve tom amargurado.

— Eles já saíram de casa?

— Na verdade quem saiu fui eu. Na época, eu tinha um comércio e passava a maior parte do tempo trabalhando. Eu estava tão preocupado com dinheiro que nem vi meus filhos crescerem. Eu ganhei muita grana, mas perdi minha família. Depois que me separei, descontei a frustração na bebida e acabei perdendo tudo o que construí. 

— Poxa, sinto muito. 

— Eu também, jovem.

— Mas você ainda tem contato com eles?

— Eu sempre tento conversar por mensagem, ou por telefone. Mas ainda é difícil pra todos nós. Por isso, como você ainda é jovem, te dou um conselho: “Valorize o teu tempo, pois ele corre num piscar de olhos”

Estas palavras calaram fundo na mente de Roberto. A triste história daquele senhor o fez pensar em como não estava realmente aproveitando seu tempo – tudo o que fazia era pensando em si próprio. 

— Acho que eu estou falhando nisso, Marcos. Eu devo ser o cara mais egoísta que existe. — Disse envergonhado.

— Bom, reconhecer é o primeiro passo, não é? — Respondeu Marcos, com um leve sorriso.

Primeiro passo. 

Após estas palavras, um estalo surgiu na mente de Roberto. Talvez, essa era a resposta que tanto precisava para sair desta situação! Assim, o jovem olhou para seu relógio de pulso, alimentando a esperança de ter vislumbrado uma luz no fim do túnel. 

Novamente, é meio-dia em ponto. O Inter 2 chegou. Está na hora de pegar o busão.

[5ª Viagem]

Ao contrário dos embarques anteriores, desta vez Roberto tinha convicção do que deveria fazer: valorizar mais seu tempo e não olhar apenas para si mesmo. Antes de entrar no busão, cumprimentou Marcos, que, sem entender direito a alegria do jovem, retornou o cumprimento com um sorriso de surpresa. 

Desta vez, abaixou o volume da música em seu headphone e ficou atento às pessoas ao redor. Depois de alguns minutos, uma pessoa que estava sentada próxima a ele se levantou para descer na próxima parada. Sem titubear, Roberto ofereceu o assento para uma senhora que estava em pé ao seu lado. Agradecida, ela se ofereceu para segurar a pesada mochila do jovem.

Esta pequena interação trouxe uma sensação muito boa para Roberto. Imediatamente, lembrou-se de uma conhecida frase: “Há mais felicidade em dar do que receber”. Embora tivesse ouvido o ditado inúmeras vezes, o estudante há muito não experimentava os benefícios de mostrar um interesse genuíno pelos outros. Pouco depois, a senhora cedeu gentilmente seu lugar a Roberto e desembarcou do Inter 2.

A seguir, um grupo de pessoas entrou no busão com alguns objetos na mão. Esticando o pescoço para enxergar melhor, imediatamente entendeu do que se tratava: um grupo de músicos! Um estava com um violino, outro com um trompete e o terceiro com um tamborim. Ao contrário das outras viagens, desta vez decidiu escutar o que eles estavam tocando. Para sua surpresa, a banda estava fazendo um cover de uma de suas músicas favoritas: “Islands”, do The XX. Ele não pode deixar de sorrir e cantar junto (mesmo que de forma contida). Percebendo que um de seus espectadores estava curtindo a performance, um dos músicos se aproximou de Roberto e ofereceu dois ingressos para uma apresentação, que ocorreria no final de semana seguinte. Surpreso, agradeceu e guardou no bolso o presente.

Ocasionalmente, conforme a viagem prosseguia, Roberto tentava espiar sua paixão, a moça de Enfermagem, que estava na parte frontal do busão. O passageiro que estava sentado ao lado, um senhor, percebendo o interesse amoroso do jovem, indagou:

—   Por que você não vai falar com ela?

— Oi? — Surpreso, pergunta Roberto.

— Você está olhando para aquela moça já faz algum tempo. Tá com medo de levar um fora?

— Não, é que… Eu nem sei o nome dela e ela nem sabe que eu existo…

— E daí? Enquanto não tomar atitude, ela nunca vai saber que você existe, oras.

— Eu não quero parecer um cara esquisito que fica puxando papo no ônibus. — Mesmo com vergonha, Roberto se sentiu confortável para expor seus sentimentos.

— Rapaz, quando eu tinha sua idade, eu era apaixonado por uma moça. Era paixão à primeira vista, sabe? Eu ficava observando de longe, imaginando se eu teria alguma chance com ela, vislumbrando um futuro em que estaríamos juntos.

— E aí, falou com ela?

— Eu era tímido demais para isso. Passei anos apaixonado por alguém que não tinha coragem de dizer um “oi”. Eventualmente, ela acabou se relacionando com outra pessoa e casou-se. 

— Mas você acha que tinha alguma chance com essa moça? — Perguntou Roberto.

— Eu me faço essa pergunta todos os dias. — Respondeu, enquanto mantinha um olhar perdido. — Acho que isso é algo que nunca saberei… É como dizem: “No final de tudo, nós sempre iremos nos arrepender daquilo que não fizemos” — Disse o senhor, com um tom amargurado. 

— Mas como é que eu vou puxar assunto com ela, sendo que a gente nem se conhece? 

— Provavelmente, vocês têm algo em comum. Afinal, todo esse tempo a observando deve ter dado alguma dica, não é?

Roberto ficou a viagem toda pensando nas palavras daquele senhor. Mesmo assim, não teve coragem de puxar conversa com a moça de Enfermagem. Desta forma, observou seu interesse romântico descendo no Terminal do Capão Raso, enquanto entendia que talvez o último passo para sair deste ciclo também era o mais difícil.

[6ª Viagem]

Tudo se repetia novamente. A mesma estação, o mesmo horário, as mesmas pessoas. Porém, ao contrário dos ciclos anteriores, Roberto sabia exatamente o que fazer. Ainda que não entendesse se tudo aquilo era um sonho ou uma provação dos céus, ele sabia que esta experiência era uma oportunidade perfeita de se aprimorar como pessoa. Cada viagem deste ciclo temporal representava um passo a mais para se abrir para o mundo, para as pessoas e, principalmente, para ele mesmo. Mas desta vez, Roberto tinha que superar seu maior medo: o de falhar. 

“Não tentar significa não fracassar”, é o que ele sempre pensou, ainda que inconscientemente. Por carregar este mantra por toda a sua vida, seja na vida acadêmica ou em seus relacionamentos, ergueu-se uma barreira que tentava o proteger, mas que, ao invés disso, o aprisionou. 

Mas a hora de superar esta barreira chegou. E, apesar de tremer nas pernas, respirou fundo e se dirigiu à garota de Enfermagem. Timidamente, Roberto aproximou-se da moça e acenou levemente com a cabeça para ela, a qual fez o mesmo para ele, educadamente. Juntando toda a coragem do mundo, ele se dirigiu a ela, dizendo:

— Esse livro é incrível, já li ele umas três vezes. — Ele se lembrou da conversa que teve com o senhor da viagem anterior e reconheceu algo em comum com a jovem: o livro Guia do Mochileiro das Galáxias, o qual a jovem segurava. — Em qual parte você está?

— Na parte do Restaurante no Fim do Universo. Até que é bem divertido. — Respondeu, cordialmente.

— Essa é uma das minhas partes favoritas. — Concordou, de certa forma aliviado por ter conseguido quebrar o gelo.

— Sem spoiler, viu?

— Relaxa, é que eu sempre fico animado quando vejo alguém lendo algum livro que eu gosto.

— Então você tem o costume de abordar estranhos no busão? — Disse com um leve sorriso.

— Pior que não. Na verdade, acho que é a primeira vez que faço isso. — O rosto de Roberto estava mais vermelho que um pimentão. — Desculpa se pareci um esquisitão por puxar papo contigo, é que, como a gente sempre pega o mesmo ônibus nesse horário, fiquei curioso em saber tua opinião do livro. — Após a vergonha inicial ter passado, a confiança do jovem finalmente surgiu. — Bom, deixa eu me apresentar primeiro. Meu nome é Roberto, e eu estou estudando Gestão da Informação. — Estende a mão enquanto se apresenta.

— Meu nome é Ana. E tô estudando Enfermagem. 

— Legal. E aí, o que mais você curte ler?

Desta forma, os dois passaram a viagem toda conversando até chegarem no Terminal Capão Raso, onde ambos iriam descer. Após as portas se abrirem, Roberto deu alguns passos e, de repente, parou na saída do ônibus. Será que ele perderia todos aqueles momentos que teve com Ana e voltaria à estaca zero? Esta dúvida o paralisou momentaneamente. Sem entender, Ana virou-se e perguntou:

— Você não vem?

Como um filme passando em sua mente, ele reviveu todas as experiências que teve em suas viagens durante o ciclo temporal: a frustração de não entender o que estava acontecendo, a descoberta de uma amizade inesperada com Marcos e o reconhecimento de que precisava melhorar como pessoa. Além desses momentos tão importantes, por algum motivo, uma outra lembrança lhe veio à mente: o momento em que ganhara os dois ingressos para o show do final de semana dos músicos. Ao lembrar disso, colocou a mão em seu bolso e sentiu algo: aqueles ingressos ainda estavam lá!

Assim, Roberto pegou as entradas e caminhou para fora do ônibus. Neste momento, a dúvida e incerteza deram lugar ao sentimento de que agora estava tudo bem. 

Um passo. Ok.

Dois passos. Tudo bem.

Terceiro, quarto, quinto… A cada passo que dava, mais entendia que toda aquela inusitada situação serviu para seu próprio aprendizado. Por fim, ao se aproximar de Ana, Roberto reuniu novamente toda a coragem que tinha e decidiu chamar seu crush pra um encontro:

— Ana, eu tenho dois ingressos para um show que vai rolar neste final de semana. Tá a fim de ir? — Toda a timidez e o medo se foram, como uma página virada de um livro. Surpresa, mas animada com o convite, ela respondeu:

— Claro! Posso levar meu namorado?

[FIM] 

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